O Conde e os 48 sem reino.
Desenho a esferográfica
Era uma vez, num condado muito, muito distante e por entre montanhas que o tornavam especialmente isolado do reino maravilhosamente governado por uma rainha sábia e astuta, de seu nome, Maria de Lurdes Rodrilhas. Esta rainha, adorada e idolatrada por todos os habitantes do reino, era famosa pelas suas populares medidas, que em boa parte agradavam à população, o que a tornava como uma deusa para os seus subordinados.
A contribuir para a sua popularidade estava o facto de pretender aproximar-se de uma desejada democracia, que aos poucos ia alcançando em alguns dos seus condados.
Foi no cumprimento do seu belo reinado que no mais pacato dos condados, onde as plantas floresciam e as famílias prosperavam, que seguindo uma velha e régia norma, se procurava encontrar um novo conde, que evidentemente teria que reunir as condições designadas por sua alteza a rainha.
Apesar do actual conde ser altamente conceituado e respeitado, ao ponto de quando reunidas as cortes, ao usar da palavra todos se prostravam para ouvir os seus doutos conhecimentos.
Era uma situação incompreendida por todo o vasto povoado, o porquê de questionar tão exemplar governação. Como era sua competência, lá foi explicando aos seus súbditos, que se encarregariam de divulgar por toda a cercania a obrigatoriedade de tal acto.
Foram então afixados prospectos nos locais habituais e que levariam de boca em boca o possível surgimento de um novo candidato a governante, que segundo o ponto de vista da população, só poderia ser uma pessoa desconhecedora da popularidade que o actual governante gozava no seu próspero condado.
Uma vez divulgados os prospectos e para espanto das cortes e da população em geral, apesar dos rumores já sentidos, surgiu um pretendente ao lugar de conde. Havia, contudo uma contingência: o pretendente teria que apresentar para constituir as suas cortes três viscondes. Era um acto difícil. Contactada uma primeira candidata a viscondessa e posta ao corrente da situação, afirmar-se-ia incrédula e algo confusa perante situação tão delicada. Esta candidata a viscondessa, apesar do seu nível de relacionamento com o conde governante e as actuais viscondessas não ser o desejável, após solicitação de audiência, acabaria por ser recebida nos reais aposentos, onde colocaria o governante mor ao corrente das novidades.
Dado que na maioria da população se assistia a um quase absoluto analfabetismo, eram escassos os recursos humanos existentes no reino, que possibilitassem de forma equilibrada a existência de candidatas a viscondessas. Foi então que o conde reinante uma vez tomado este conhecimento de áurea importância, mesmo sem reunir as suas cortes (facto que viria a ser internamente contestado) resolveria premiar a útil informadora com uma possível promoção a viscondessa nas suas cortes.
Ora, o surgimento de nova corte para combater a ora formada, seria tarefa delicada dada a escassez de doutas pessoas capazes de desempenhar as funções com a dignidade que a nação exige.
Após alguma pressões, aconselhamentos e contactos vários, eis que surge como do nada, vindo de territórios insuspeitos, uma dama com perfil adequado a viscondessa. Estaria, então, constituído um grupo de cidadãos de bem, (um conde, um visconde e duas viscondessas) passíveis de integrar as cortes, no seguimento da régia lei de sua eminência a rainha Rodrilhas.
Chegada a hora formal da apresentação dos pretendentes às cortes, foram cuidadosa e manuscritamente preenchidas as cartas, dada a dignidade que o acto impunha.
Em data regiamente definida, seriam afixadas nas praças públicas e locais habituais, os éditos informando da já longínqua opção por uma de duas cortes distintas.
O Ernesto Barbeiro, famoso nos seus dotes contra a caspa e contra o cieiro, ávido da curiosidade que o caracterizava e que possivelmente o tornavam numa pessoa medianamente informada, foi o primeiro a consultar os éditos. Este seu apetite pela novidade tornaria-o o primeiro a constatar uma diferença: O edital do conde governante fora redigido pelos seus digníssimos escribas, contendo apenas as assinaturas de sua excelência e suas subordinadas, ao passo que o édito do candidato, que estava ao lado, se encontrava redigido a pena simples, na sua totalidade. Esta situação constatada pelo senhor Ernesto apenas teria eco nos seus clientes, passando despercebida ao grosso da população.
Rezava ainda a régia lei, que os aspirantes a conde e viscondes teriam que apresentar competências de trabalho redigindo um documento com as alterações a operar no condado. Obviamente que como o conde governante é mandatário oficial da rainha, esse documento ficaria nas sua posse até ser afixado publicamente nas praças e locais habituais como a régia lei o exige.
Uma vez cumpridos os prazos afixados, proceder-se-ia à escolha, acto de considerável avanço no reino em que vivia, pois cada vez era mais notório o afastamento desta nação a que futuramente se chamaria democracia.
Deve referir-se que antes da elevada escolha da população, surgiria um édito real a impedir os enfermos e os guerreiros em formação, de exercer o seu direito de expressão, tendo sido uma determinação muito debatida pela população, que acima de tudo a acatou por respeito à rainha enquanto soberana do reino.
Após esse momento alto que constituiu a discussão pela posse do passo real, surgiram os resultados. Estranhamente, houve grande aderência da população, inclusive das classes mais baixas. Afixados as consequências do acto nos locais habituais, foi com enorme estranheza que se viu festejar mais a corte candidata (apesar da inferioridade alcançada no sufrágio) do que o conde reinante, que parecia estarrecido como que a fazer contas de cabeça.
Temos conde! Temos conde! Gritava o povo, a pulmões abertos.
Foram dias de festa contida, apesar das faustosas comemorações com o repasto típico da região serrana e das pessoas prendadas da terra.
Mas o insólito viria a acontecer. O escrivão da corte, uma vez informado, deu como inválida a instauração do conde, dado que a escolha não fora coberta pela régia legislação. Foi um acontecimento incompreendido pela maioria da população dados os doutos conhecimentos do conde governante (que inclusive havia cursado direito), e do escrivão, pessoa desde sempre dedicada às letras e ao bom uso fazer delas.
Foi então enviado um mensageiro à rainha a explicar a situação, que dada a distância percorrida, demoraria a chegar a resposta, que viria a conduzir a nova escolha de condes e viscondes.
Uma vez chegada a aguardada e importantíssima anuência régia para o novo acto de escolha, este foi oportunamente divulgado ao povo, pelas formas em uso no condado, no dia oito, data que o conde em exercício sapientemente considerou adequada.
O povo, atónito, foi tentando buscar explicações para a origem deste édito e para a consequente segunda escolha de condes, facto que tornava o acto complicado.
Nova escolha; nova propaganda. Foi então forçosamente necessário reunir as cortes em exercício assim como as que se propunham exercer. Estas segundas veriam a tarefa complicada dadas as colheitas que urgiam fazer nas suas terras e que a não serem efectuadas atrasariam o calendário agrícola, podendo até inviabilizá-lo. As cortes em actividade optariam por indicar o seu conde como responsável por contactar todos os servidores do palácio e alguma população em geral. Seriam assim chamados à sala de inquirições, onde viam expostas as suas virtudes e qualidades de bons servidores da nação, apenas se conseguindo alcançar esse facto pela governação do conde, situação que exigia um sério compromisso com ele e só com ele. Nesta fria e arrepiante sala de inquirições, seriam assumidos argumentos "abonatórios" a favor dos condes e condessas candidatas, como o realce tecido à sua juventude (que agradaria especialmente a um visconde), ao seu gosto pelos produtos agrícolas mais produzidos no condado, o seu porreirismo (vocábulo que viria a constituir um neologismo dado desconhecer-se anteriores aplicações), tendo sido, em desespero, proferido que um outro conde de condado distante, ao conhecer o caso teria afirmado que se o condado mudasse de mãos seria um assassinato para o mesmo. Enfim... seriam aí também reavivados e reinventados salutares diálogos tidos em tempos de acalmia e que viriam a servir de forma agradável, como aliás se deseja, para recordar tempos idos.
O conde, visconde e viscondessas que pretendiam assumir o palácio, apesar de tardiamente, começariam a dar a conhecer mais uma vez o que pretendiam fazer no condado. Ao conversarem (tentarem) com grande parte dos servidores do palácio, foi com alguma consternação que viam o desconforto e o olhar estranho com que eram recebidos. Houve situações de servidores que se afastavam, numa atitude receosa de que do contacto adviesse algo de insólito. Viria a saber-se mais tarde que a governação não gostaria de ver os seus súbditos ocupados com leituras que não tivessem a ver expressamente com o exercício dos seus digníssimos afazeres. Numa tentativa de se dar a conhecer ao condado, circulando nas suas cavalgaduras pelos vários e belos povoados, conde e visconde, ao conversarem amenamente com os cidadãos viriam a saber mais novidades. E elas seriam de vários tipos e níveis de imaginação. Assim, soube-se que a corte candidata pretenderia transferir a terceira parte do condado para um condado vizinho; soube-se que o conde que pretendia assumir os destinos do condado, não se relacionava bem com ninguém no interior do palácio, sendo individuo que nada fazia nem sabia fazer. Foi também neste contacto com o povo, que conde e visconde ficariam a saber a que se deveu o envio de delegações de servidores, com vista o contacto com a população, em seu proveito, pois a presença do conde governante no terreiro poderia ser problemática em determinadas situações, (dada e estreiteza de algumas vielas…). Conde e visconde terminariam a cavalgada a saciar uma das mais básicas necessidades fisiológicas, que é a alimentação, degustando belos produtos da região, como os enchidos e o belo néctar, ao mesmo tempo que enviavam e recebiam mensageiros, colocando várias pessoas ao corrente das peripécias conhecidas durante o circuito regional efectuado, ficando conhecedores e perplexos face às novidades.
Terça feira, escrivão, coadjuvantes e trio de coadjuvantes auxiliares preparavam-se para iniciar sua nobre missão de receberem o população proposta a expressar as suas vontades, no digníssimo espaço bibliotecário, quando foram surpreendidos por uma norma imanada da delegação responsável pelo acto (nomeada pelo conde em exercício), segundo a qual apenas poderiam permanecer naquele espaço os três elementos principais (escrivão e coadjuvantes). A referida norma impediria também e de forma mais veemente que servidoras pudessem contracenar no local, o que segundo se soube viria a provocar momentos de azia, prontamente debelados por alguns contactos efectuados no átrio do palácio.
Seria neste átrio, que alguma da população seria cordialmente recebida pelos servidores do palácio, que de forma voluntariosa esclareciam toda e qualquer dúvida que pudesse surgir. Foi também nesta zona fronteiriça do palácio que ocorreria uma situação digna de apreço, pelo auxílio prestado em momento de tão difícil decisão. Chovia copiosamente, quando uma anciã, em esforço, alcançou o átrio do palácio, tendo sido aconselhada a regressar à sua charrete acompanhada da prestimosa servidora. Regressaria após breves instantes a anciã, certamente com as suas ideias mais clarificadas, e logo após e debaixo de chuva a servidora que a havia acompanhado. Enfim… Será sempre válida a presença de vários servidores do palácio no átrio principal para acolher de forma afável e acolhedora as populações que se deslocam certamente sacrificando suas vidas, especialmente em dia chuvoso como foi este.
Ao fim da tarde, em solene acto e na presença de condes e viscondes, foi dada a conhecer a estrondosa e apertada (48 continuavam sem reconhecer o conde) vitória que conduziria o conde e viscondessas governantes por mais três anos no governo do palácio.
Após as felicitações do protocolo, seguiram-se momentos de reflexão pelos elementos da corte. Eis que do fundo do palácio surge um horripilante e sinistro grito a várias vozes em uníssono mas que dada a sua imperceptibilidade causaria acrescida estranheza ao ex-futuro conde, que se deslocaria ao local a fim de constatar o ocorrido, ao que se deparou com grandiosas festividades por parte das e dos servidores, que por esse motivo emitiram as ressonâncias já descritas, e comparadas a um orgasmo colectivo em diálogo restrito na sala dos elementos da corte.
Foi já no rescaldo, que uma servidora do palácio, após informações de um elemento da corte acerca da similitude proferida, ousou dirigir-se ao ex-futuro conde e actual elemento da corte, sem lhe efectuar o acto de genuflexão ou quando muito o de veneração, com vocabulário próprio da sua condição, perante o sorridente olhar do conde vitorioso, que lhe estava alado. Eis que surge a D. Henriques, pessoa cujo prestigio já extravasou as portas do palácio, sendo demais reconhecida em todo o condado pelos seus méritos, e que remete a simples servidora aos seu lugar, de onde nunca deveria ter saído.
Chegada a marcante data da imposição das insígnias, que confeririam as reais delegações de sua eminência a rainha, eis que se reúne no salão nobre do palácio todo o pessoal servil, todo o pessoal servil, todo o pessoal servil, todo o pessoal servil, todos, mas todos os elementos da corte e um vasto número de população, para assistir a tão nobre acto.
Foi assim que continuou a salutar convivência (conveniência) entre condes, condessas e o pessoal servil, que continuaria a desempenhar o seu árduo papel por mais três anos.
A partir daqui vão viver todos muito felizes, sabendo o conde que uma ínfima??? parte do condado não partilha das suas ideias, mas sempre prevalecendo a áurea máxima de aumentar o número de servidores, ultrapassando o de elementos da corte, não venha o diabo a tece-las daqui alguns tempos, em que……. (alguém que continue , que eu vou retirar-me… de mansinho…cantando bem calado…)
Romance de um reino baseado em factos verídicos