O sistema de avaliação de professores não foi suspenso, mas acabou por ser simplificado. Novas regras de colocação foram fortemente contestadas. O Estatuto do Aluno alterou métodos de trabalho. E os computadores Magalhães chegaram às escolas no início do ano lectivo.
Na memória recente não há lembrança de um ano lectivo tão preenchido com manifestações e greves. A última aconteceu a 30 de Maio. A Plataforma Sindical dos Professores contabilizou mais de 70 mil docentes nas ruas de Lisboa, as autoridades policiais falam de 55 mil. A 8 de Novembro de 2008, cerca de 120 mil professores tinham estado na capital para contestarem o modelo de avaliação de desempenho. A 3 de Dezembro desse mesmo ano, as escolas entraram em greve nacional. Nessa altura, as estruturas representativas dos docentes garantiram que a adesão tinha rondado os 94%, a tutela falava de 66,7%. Antes disso, a 14 de Novembro, movimentos independentes tinham organizado mais um protesto que contou com a presença de cerca de 20 mil manifestantes.
As contas estão feitas. Oito greves, sete manifestações, três vigílias e dois cordões humanos desde que a actual ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, está em funções. Os motivos dos protestos não variam muito. Os professores têm contestado o modelo de avaliação da classe e reclamam uma revisão do Estatuto da Carreira Docente e horários pedagogicamente adequados. A 22 de Dezembro, a Plataforma Sindical entregou um abaixo-assinado com cerca de 70 mil assinaturas. A 19 de Janeiro, as escolas paralisaram numa greve nacional. E os números voltaram a não bater certo: sindicatos falaram numa adesão de 91%, o Ministério da Educação em 41%. Cinco dias depois, os movimentos independentes do sector voltaram a reunir mais de dois mil professores para alertar o Presidente da República para a situação educativa do país.
As movimentações não pararam. Um cordão humano com cerca de 10 mil professores ligou o Ministério, a Assembleia da República e a residência oficial do Primeiro-Ministro a 7 de Março. A 26 de Maio, mais uma greve, desta vez aos primeiros tempos da manhã: os sindicatos referiram uma adesão de cerca de 30%, a tutela desceu o número para 9%. O ano lectivo 2008/2009 não foi tranquilo. A classe docente não baixou os braços nas suas reivindicações e a tutela manteve as políticas definidas e praticamente nada foi alterado.
A chegada dos computadores Magalhães às escolas foi uma das grandes novidades do ano lectivo. A 23 de Setembro do ano passado, o Primeiro-Ministro e 11 elementos do Governo entregaram os primeiros três mil portáteis aos alunos do 1.º ciclo do Ensino Básico. No início de Novembro, a Federação Nacional dos Sindicatos da Educação (FNE) alertava que tinha recebido centenas de queixas de docentes por causa das "tarefas burocráticas e administrativas" relacionadas com o Magalhães. Mas a entrega dos computadores continuou. Com um percalço. Em Março deste ano, foram detectados erros graves de português, mais de 80, que obrigaram à remoção de um software do portátil. A tutela rejeitou responsabilidades. "Em todo o caso, o Ministério da Educação salienta que o computador Magalhães é, e será cada vez mais, um instrumento de trabalho inovador, seguro e indispensável nas salas de aula do 1.º ciclo", referia, na altura. E a distribuição continua. Até ao final do ano lectivo, cerca de 13 mil Magalhães são distribuídos nos Açores.
O braço-de-ferro da avaliação
O sistema de avaliação dos professores tem sido o tema que mais contestação tem provocado. Os protestos tinham já começado no ano lectivo anterior, mas neste ganharam bastante fôlego com manifestações e abaixo-assinados. De qualquer forma, o braço-de-ferro continuou. A classe docente manifestava-se e pedia a suspensão do modelo, a tutela não cedia um milímetro até que em Novembro do ano passado foram anunciadas alterações e algumas medidas acabaram por ser simplificadas. Maria de Lurdes Rodrigues estipulava que avaliador e avaliado seriam da mesma área disciplinar, que os professores podiam prescindir das observações mas sem direito a serem classificados com "muito bom" ou "excelente", que as fichas de avaliação seriam simplificadas e os resultados dos alunos eram colocados de lado durante o ano lectivo em curso.
A tutela não admitiu recuo, sucederam-se reuniões e os sindicatos continuaram a exigir a suspensão do modelo de avaliação. "Cada vez que se quer aplicar, percebe-se que é preciso simplificar o modelo. Ele já está todo remendado, mas continua com procedimentos que, pura e simplesmente, não são aplicáveis", sublinhava, na ocasião, Mário Nogueira, porta-voz da Plataforma Sindical e secretário-geral da Federação Nacional dos Professores (FENPROF).
As contas teimam em não bater certo. A Plataforma Sindical avançava que havia mais de cem escolas que tinham pedido a suspensão do modelo de avaliação, a tutela sempre garantiu que o processo decorria na normalidade, que estava a ser aplicado em todos os estabelecimentos de ensino. E no início de Abril deste ano, o Conselho Executivo do Agrupamento de Escolas de Santo Onofre, Caldas da Rainha, foi demitido por não estar a cumprir com o método de avaliação e gestão. Uma comissão administrativa provisória entrou em funções e até ao momento ainda não foi eleito o novo director. A decisão da tutela foi bastante contestada dentro e fora do agrupamento. "O cumprimento da lei não é uma questão facultativa, é uma obrigação. Nesta escola não se cumpriu uma lei e houve recusa à participação. É dada a possibilidade aos professores e às comunidades locais de se organizarem para dirigir as escolas. A comunidade local e os professores não querem tomar conta da escola nos termos em que a lei exige", sublinhava a ministra da Educação.
A 19 de Maio, o país era surpreendido com a notícia da suspensão de uma professora de História da EB 2,3 Sá Couto de Espinho por ter abordado temas sobre sexualidade de modo impróprio e inadequado dentro da sala de aula. As declarações da docente foram reproduzidas em todos os meios de comunicação social, através da gravação feita por uma aluna. O inquérito ainda prossegue e a professora incorre numa sanção que pode levar à sua demissão. A linguagem utilizada mereceu comentários de vários especialistas e o assunto voltou a centrar as atenções na educação sexual nas escolas. "Na minha opinião, a docente começa por violar o dever de urbanidade e de respeito na forma como se dirige aos alunos e se reporta a uma cidadã que é a mãe de uma aluna", referiu Paulo Veiga Moura, especialista em direito administrativo da Função Pública, em declarações ao jornal Público. A ministra da Educação também se pronunciou sobre a situação, considerando que o comportamento da docente em causa não era corrente, "nem normal nem de regra".
E quanto à educação sexual, a Assembleia da República acaba de aprovar, na especialidade, o projecto de lei sobre o assunto. Nesse sentido, ficou decidido que os gabinetes de apoio e informação devem funcionar uma manhã e uma tarde, em articulação com os centros de saúde da área, e que compete à equipa técnica dessas estruturas decidir a distribuição de contraceptivos. Os alunos do 3.º ciclo terão 12 horas dedicadas a assuntos de educação sexual por ano, enquanto os do 1.º e 2.º ciclos terão seis horas anuais.
Vestidos de negro
O Carnaval deste ano foi diferente em Paredes de Coura. O agrupamento local decidiu cancelar o cortejo carnavalesc0 escolar, alegando falta de tempo devido ao processo de avaliação, entre outros factores, e justificando a medida com o cancelamento de uma actividade não considerada essencial à aprendizagem. A Direcção Regional de Educação do Norte (DREN) decidiu, porém, que o desfile de Carnaval tinha de ser realizado de forma a cumprir com as iniciativas previstas pela escola para o ano lectivo em curso. Os professores cumpriram a ordem da DREN e saíram à rua vestidos de negro, mãos acorrentadas e com as bocas tapadas por lenços negros.
As regras do concurso de professores e educadores foram contestadas pelas estruturas sindicais do sector. Pela primeira vez, as colocações têm uma periodicidade de quatro anos, mas as necessidades das escolas continuam a ser anualmente asseguradas através da abertura de concursos de destacamento por ausência da componente lectiva e por outras condições específicas. As novas regras estipulam ainda a extinção gradual dos quadros de zona pedagógica, em que os professores concorrem aos quadros de agrupamento de escolas ou de escola não agrupada. Os docentes não colocados no concurso interno permanecem como quadros de zona pedagógica e podem, em Agosto, concorrer para colocação nas necessidades transitórias. As colocações cíclicas deixam de existir e são substituídas por uma bolsa de recrutamento que permite a cada escola fazer uma selecção imediata, respeitando os critérios de graduação do candidato.
As mudanças sentem-se ainda no caso de igualdade de graduação, em que a ordenação terá de respeitar a mais elevada menção quantitativa da avaliação. Os professores contratados concorrem para lugar de quadro, mediante concurso externo, e serão colocados no início do ano lectivo e na bolsa de recrutamento até 31 de Dezembro - depois dessa data podem concorrer à contratação da escola, se pretenderem nova colocação. A FENPROF ficou insatisfeita e deixou bem claro que as regras dos concursos reflectem "de forma inequívoca as medidas economicistas que o ME foi tomando".
O Estatuto do Aluno também não passou despercebido este ano lectivo. Em Novembro do ano passado, a tutela, através de despacho, veio esclarecer alguns pontos para clarificar alguns aspectos nos regulamentos internos de diversas escolas. Faltas justificadas por doença não levam à aplicação de qualquer medida disciplinar, sancionatória ou correctiva, nem à retenção ou exclusão. Os alunos com faltas justificadas têm de passar por uma avaliação simplificada para que o professor perceba quais as matérias não aprendidas, de forma a estabelecer medidas de apoio na sua recuperação. Em várias escolas, os alunos juntaram-se para mostrar o seu desagrado pelas regras de um estatuto que lhes diz directamente respeito.
Por: Sara R. Oliveira (retirado do Educare.pt)